Home
Sobre Antonio Miranda
Currículo Lattes
Grupo Renovación
Cuatro Tablas
Terra Brasilis
Em Destaque
Textos en Español
Xulio Formoso
Livro de Visitas
Colaboradores
Links Temáticos
Indique esta página
Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 
VIAGENS DE ANTONIO MIRANDA PELO MUNDO


A DIFÍCIL PARTIDA - PARA CUBA
28-09-1990

 

Muitos brasileiros descobriram a rota de Cuba. As excursões são comparativamente mais baratas do que dentro do nosso próprio país... Turismo modesto, com aparência de luxo, ideal para a classe média.
Existem voos charters e "pacotes" para todos os gostos.
Minha viagem foi a convite, para participar do 45º Congresso e Assembléia da Federação Internacional de Documentação - FID. Muitos colegas e amigos no avião, a partir de São Paulo.
De Brasília não partem voos internacionais. Para ir a Cuba deve-se, obrigatoriamente, ir em direção ao leste/sudeste, a Rio e/ou São Paulo. O nosso Aeroporto Internacional de Brasília é mesmo de província.
Na escala em Caracas encontrei muitos outros conhecidos: venezuelanos, chilenos e argentinos.

As escalas no Aeroporto Simón Bolívar, em Maiquetía, são sempre demoradas. Muita desorganização, maus serviços, guardas revistando malas morosamente e, não raras vezes, muito calor, pois nem sempre o ar condicionado funciona...
Atrasos frequentes nos voos, como desta vez, devido a uma "operación morrocoy" (operação tartaruga) "organizada...." pelos controladores de voo, em greve dissimulada, enfernizando a vida dos passageiros.
Formavam-se imensas filas em frente ao balcão da Aeropostal, logo mandavam para outro local, anunciavam embarque em um dos portões e em seguida íamos para o lado oposto do imenso corredor, onde também não era... Mas não perdi o ânimo nem o humor, alentado pelas conversas com amigos diletos que não via há tempo, sobretudo meus "hermanos" de Venezuela...

LA ISLA DE FIDEL

A chegada a Cuba impressiona pelo azul translúcido do mar represado entre ilhas desertas e enormes bancos de areia.
Ao contrário da Jamaica, que sobrevoamos inteira, onde os campos parecem abandonados e improdutivos. Cuba é toda verde, cultivada, com fábricas, autopistas, refletindo um uso extensivo de seu vasto território. (Não necessariamente intensivo pois, ao que tudo indica, não conseguem arrancar da terra o alimento suficiente para suas necessidades.
Um calor úmido e pegajoso. No acanhado aeroporto, uma confusão de gente e bagagens. Tudo simples, sem ostentação.

Na camioneta com ar acondicionado, em direção ao hotel, aproveitaram para dar informações básicas sobre o país, sobre os riscos de trocar dinheiro no "paralelo", e para mostrar os prédios do caminho: hospitais, pequenas fábricas, modestos edifícios residenciais.
O bairro de Vedado, onde estava o hotel que a Academia de Ciências de Cuba reservou para mim, os edifícios são os mesmos dos tempos anteriores à Revolução, a 1959.
Só que desleixados, mal cuidados, sem pintura, em estado generalizado de abandono. Vedado foi, nos tempos áureos, um florescente bairro de classe média, com casarões senhoriais, muitos deles reduzidos à aparência de cortiços.
Apesar de toda simpatia, causou-me tristeza ver tudo aquilo como que castigado pois a Revolução logo preferiu construir "viviendas"  coletivas, símbolos da fase socialista.
O longo embargo à ilha causou danos terríveis. Ou foi a política deliberada de valorizar o novo e descuidar-se dos símbolos do passado, das desigualdades sociais.

As ruas cheias de gente e vazias de carros.
No Hotel Vedado o atendimento era feito por senhoras gentís mas ineficientes, bastante complicado ainda que cortês. Empregados por toda parte, controles em excesso e pouca atenção real aos hóspedes.

No restaurante era pior. Fila à porta, ainda que havendo lugares lá dentro. Uma pessoa para levar à mesa, outra para distribuir os tickets, uma mesa de frios e saladas, outra pessoa para atender no setor de pratos quentes, outra para trazer as bebidas, outra para trazer a conta e outra no caixa. E a isso chamam de "auto-serviço" (self-service")...
Pra que simplificar se a gente pode complicar?!
Isso tudo feito morosamente, com ares de eficiência...

La Habana é belíssima, com relíquias extraordinárias do período colonial. E as fortalezas à vista, por toda parte. Estão entre as maiores e mais belas da América Espanhola.
Palácios, casarões coloniais, edifícios imponentes do princípio do século, uma mistura fascinante de estilos e de épocas. Além da magnífica Catedral colonial. E, é óbvio, a Bodeguita del Medio, espécie de monumento vivo à memória de Ernest Hemingway, o Prêmio Nobel que viveu e glorificou a Ilha em seus romances e relatos.
Os melhores edifícios já foram restaurados e neles estão museus, restaurantes, lojas, galerias de arte, todas para o turismo. Preços em dólar, exclusivos para estrangeiros. Cubano não entra. E se entra, não compra. Emitem notas fiscais detalhadas, especificando "transação"...

As ruelas são movimentadas mas, felizmente, nelas não entram carros. Lojas simples em edifícios velhos e mal cuidados. Entrei em uma delas com o meu guia e quase nada havia para vender sobre as bancas de madeira cobertas de papel rasgado. Tudo escasso, feio e caro para os padrões consumistas estrangeiros.
Na loja de discos o vendedor atendia no balcão e os poucos discos estavam fora do alcance das mãos. O cliente devia contentar-se com ver algumas capas na vitrine.
A CONTRA CULTURA
Meu "guia" era um estudante de medicina de 21 anos.  Tony, como todos os Antonios de Cuba. Não usa "guayabera" [camisa de quatro bolsos, parecendo um pijama de luxo] e prefere roupas jovens, elegantes: jeans de corte moderno, camisões frouxos, bem compostos.
Não tem o tipo cubano.  Alto, branco, com uma vasta cabeleira bem cortada. Conheci-o no "malecón" de La Habana. Puxou conversa: — Que disse esta guia?
Expliquei que era um guia turístico no Brasil.

— Dice mentiras, mentiras oficiales.
Abriu o jogo: o socialismo é uma experiência sem saída, esgotada. O regime está no fim. O povo não aguenta mais.
Falou do general que foi executado há pouco tempo atras. Certo: ele estava envolvido no tráfico de cocaína, mas a serviço do governo. Não foi morto porque corrompeu-se, mas porque pregava a economia de mercado e a abertura política.
Contou-me o problema das filas, o racionamento de combustível, de luz, as quotas mínimas para obter alimentos, roupas.
— Mas vocês têm moradia, saúde publica - arguí.
Tenemos, pero no es suficiente. El Gobierno habla de logros, pero no deja lugar para hablar de los fracasos.
— Você estuda medicina, tem todos os privilégios; a medicina cubana é avançada.
—¿Y qué?! Después de graduado, que voy hacer? Trabajar para el gobierno?  ¿Ganarme sueldo de hambre?
Tony não gostava, definitivamente, do comunismo de Fidel. Queria poder ir-se do país, mas disse que seria impossível conseguir os quinze mil dólares necessários para o visto de saída.
? Se no puede uno vender ni llevar nada de lo suyo, cómo salir de Cuba?!
Ele quería poder ir a qualquer parte, comprar roupas bonitas, viver a vida de um jovem de sua idade, suas fantasias.

item por item, à mão, inclusive os números de estoque acima do código de barra. Depois o caixa rebate tudo no teclado do computador... Comprei uma simples gilete descartável, mas a atendente preencheu uma enorme nota fiscal em três vias carbonadas que, certamente, valiam mais que o suposto "lucro" da transação...


Tentamos jantar, mas as filas nos restaurantes eram desalentadoras. Poucos lugares para ir, muita gente querendo... Gente verdadeiramente otimista, paciente. Nos restaurantes melhores não pudemos entrar porque ele não usava camisa de manga comprida. Fiquei revoltado:
—Cómo é possível? Quer dizer que na sociedade sem classes as pessoas estão divididas em duas categorias: com e sem mangas compridas?!
O porteiro nem ficou perturbado com a agressão:
        —Así es.
Nos hotéis de luxo os turistas podem entrar nos restaurantes com mangas curtas, como lhes aprouver. Sem
restrições. Mas os cubanos não estão autorizados a ir lá, nem mesmo acompanhados dos turistas, nem como convidados. Um verdadeiro apartheid. Tampouco podem tomar os taxis dos turistas, que marcam em dólares. São orientados a não manterem contatos com os estrangeiros, pelos comitês de defesa da Revolução Cubana. O turismo é a grande indústria em ascensão, dele virão os dólares para dar força à economia em tempos tão difíceis. Mas o turismo também traz o vício, a corrupção, a luxúria, a ostentação, o mercado negro, a prostituição, a AIDS, o contrabando, a contra-cultura. Como manter os estrangeiros isolados? O povo cubano é, por natureza, hospitaleiro e comunicativo.


As oportunidades de lazer e consumo abertas para os turistas aguçam a curiosidade, a vontade, a inveja e a insatisfação, principalmente entre os jovens.
Antigamente os únicos visitantes eram os simpatizantes do regime. Agora é a classe média, atraída pelos hotéis e passagens baratas. Além do "turismo de saúde" e do "turismo científico", trazendo pessoas para tratamento médico e para congressos de especialistas pois o "Palácio de las Convenciones" tem excelente infra-estrutura, inclusive bons tradutores.
Como manter duas culturas paralelas, uma coletivista e a outra individualista, uma cooperativista e a outra comunista?
Ao lado do Hotel Habana Libre, em pleno coração da cidade, reúnem-se os jovens da nova geração. Rapazes e moças nascidos no regime socialista. Às centenas eles vêm para o "footing" nas avenidas principais, para o namoro nas praças, para as filas da mega sorveteria Coppelia e para tentar um dos disputadíssimos lugares nas poucas dançarias de bares.

O Governo projeta documentários e filmes nas paredes do "Habana Libre", em ação cultural propagandística. Centenas de jovens encontram-se no prédio em frente. À princípio pensei que fosse para ver os filmes, mas o público punha pouca atenção nas projeções. Vestidos com jeans rotos, cabeleiras grandes, brincos, abraçando-se, beijando-se, mostrando discos dos roqueiros e "metaleiros", estavam mais para "punks"* do que para revolucionários.
[*"Punks" refere-se tanto ao movimento musical e cultural surgido na Grã-Bretanha nos anos 70 quanto aos seus adeptos, caracterizados pela contestação social, atitude provocativa, música enérgica e um estilo de vestuário e cabelo distinto, que se opõe aos valores e normas estabelecidos pela sociedade.] 

Um tanto ao estilo dos "hippies" dos anos 1970.  Às centenas. Gente descontraída, despolitizada, excêntrica. Uns quantos homossexuais assumidos (antes era tabú na sociedade "machista-leninista", segundo expressão do próprio Tony).

 

 

 

 
 
 
Home Poetas de A a Z Indique este site Sobre A. Miranda Contato
counter create hit
Envie mensagem a webmaster@antoniomiranda.com.br sobre este site da Web.
Copyright © 2004 Antonio Miranda
 
Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Click aqui Home Contato Página de música Click aqui para pesquisar